Imagem: Reprodução/Twitter
Este é um relato ipsis litteris de uma matéria escrita por Abraham Jiménez Enoa, jornalista e diretor da mídia digital cubana El Estornudo.
A bem da verdade, não tão literalmente. Explico.
Algumas frases, palavras e citações foram adaptadas à nossa língua para uma melhor compreensão.
É um relato forte, pesado. Desmistificante.
Ignora a ‘água com açúcar’ e as suaves e românticas cores com as quais a mídia mainstream e a maioria dos jornalistas brasileiros pinta e apresenta Cuba.
Com vocês, leitores e seguidores da Renova Mídia, Jiménez Enoa
HAVANA – Eu ainda estava na cama quando comecei a ler nas redes sociais que os agentes de segurança do Estado cubano estavam vigiando e “sutilmente” mantendo presos dentro de suas próprias casas vários jornalistas independentes, opositores e ativistas da sociedade civil. Será que eu estou nesta lista?
Era 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Olho pela varanda e identifico uma patrulha com dois policiais e um agente civil em uma motocicleta me observando desde a rua.
Apenas algumas horas atrás, fui libertado, mas é a segunda vez, nos últimos cinco meses, que as autoridades cubanas me impedem de sair de casa e me deixam em ‘prisão domiciliar’.
Sou jornalista e dirijo El Estornudo – um meio digital de jornalismo independente – e não um criminoso.
Minha profissão é sair, procurar informações e tentar contar a realidade de um país que está desnorteado há sessenta anos. Durante todo esse tempo os cubanos não foram capazes de se informar com a verdade: o regime revolucionário sempre impôs seus pontos de vista. Em uma sociedade onde prevalece a desinformação e a falta de transparência dos eventos, é extremamente necessário fazer jornalismo e mostrar a verdadeira face da ilha. E isso implica investigar as virtudes e pecados da sociedade.
Mas existem obstáculos muito grandes.
O artigo 55 da Constituição cubana estabelece que “os meios fundamentais de comunicação social, em qualquer de suas manifestações e vertentes, são propriedade socialista de todo o povo ou das organizações políticas, sociais e de massa; e eles não podem ser objeto de outro tipo de propriedade”.
Portanto, toda a imprensa não estatal é ilegítima e o regime a demoniza.
Fazer jornalismo independente em Cuba significa se rebelar ao totalitarismo. Uma vez tomada essa decisão, o sistema, que se sente atingido com essa “ofensa”, o pega, o classifica e o coloca na sua lista de inimigos. Não há diferenças em Cuba entre um jornalista independente e um criminoso comum. Isso é cada vez mais evidente. As prisões e o assédio sofridos por mim e meus colegas nos últimos meses mostram um ressurgimento das políticas cubanas contra a liberdade de imprensa e o acesso à informação.
Comparado a outros países da região – como México, Brasil ou Venezuela -, reportar na ilha é menos imprudente. Ninguém aqui vai atirar em você ou fazer você desaparecer. Os métodos do governo cubano para impedir o trabalho da imprensa são outros: com assédio, prisões, intimidações e assim nos rotulando como “traidores” para limitar o exercício jornalístico.
A ditadura cede a sua estrutura legal para criminalizar aqueles que a processam ou aqueles que discordam de suas políticas. Em seis décadas, desde que a Revolução nos domina, em Cuba não há espaço para liberdade de expressão, associação, reunião e movimento. Nenhum desses direitos fundamentais é reconhecido por nossa constituição. E, durante todo esse tempo, aqueles que levantaram suas vozes para convocar o regime tiveram que suportar perseguição, ostracismo e repressão.
Por esse motivo é que, diariamente, um jornalista independente é preso e levado para uma cela, não o deixam sair por sua vontade para fora de sua casa (ou do País), e seu equipamento é confiscado quando ele faz seu trabalho no campo. Tudo isso faz parte de uma estratégia do governo que visa silenciar as vozes que querem dizer ao País (e ao mundo) tudo aquilo que o regime não quer que ninguém saiba.
Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, #Cuba é o décimo lugar na lista dos piores países para a existência de uma imprensa livre. Essa lista é encabeçada pela #Eritreia, #Coréia do Norte e #Turquemenistão. E o Observatório Cubano de Direitos Humanos declarou que até agora, neste ano de 2019, houveram 3.075 detenções arbitrárias, 141 cidadãos com restrições de viagem ao exterior e 123 presos políticos. Muitos desses números são jornalistas independentes, como Roberto Quiñones, que cumpre pena de um ano de prisão por supostos crimes de resistência e desprezo.
Quiñones foi preso em abril pelo único fato de fazer jornalismo. Está atrás das grades por cobrir o julgamento de um casal evangélico, também condenados a dois anos de prisão por tentarem educar seus filhos em casa, fora do sistema educacional oficial.
O próprio governo cubano abriu sua caixa de Pandora, ao dar acesso à Internet aos cidadãos que estão famintos por informações. Embora a repressão contra os que denunciamos permaneça impune, graças às redes sociais, fica cada vez mais evidente a existência de um sistema autoritário que, com suas explosões de violência, expõe seus fracassos democráticos.
Ontem, Dia Internacional dos Direitos Humanos, não pude acompanhar minha mãe para visitar meu avô que está com câncer. Eu não pude sair para comprar comida ou trabalhar. E eu não estava saindo para me manifestar contra nada – não sou ativista político -, somente faria meu trabalho: contar como se vive hoje em Cuba. Por essa simples razão, eles me prenderam.
Eu quero deixar algo bem claro: minha única posição política é escrever honestamente sem prestar contas a ninguém.
Sou jornalista e tenho a responsabilidade de dizer a verdade e poder ajudar as pessoas a entender nossa realidade.
A repressão da imprensa independente pelo governo cubano não pode mais ser escondida. O novo presidente, Miguel Díaz-Canel, e a polícia política devem parar de assediar jornalistas e nos permitir cumprir nossa missão social.
Informar e relatar não é crime.
Abraham Jiménez Enoa é jornalista e diretor da mídia digital cubana El Estornudo.
Traduzido e adaptado de NYTimes, El Estornudo, Infobae
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